quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

MÍDIA, ESCOLA E LEITURA CRÍTICA DO MUNDO


A incapacidade de leitura para além dos códigos linguísticos dos alunos, sejam eles de escolas públicas ou privadas, tem sido objeto de reflexão dos educadores brasileiros para identificar as causas e encontrar caminhos para alteração desta realidade. Não são poucos os especialistas que apontam as fragilidades do sistema educacional do país, tais como: superficialidade, excesso de conteúdo e pouco cuidado com a linguagem.
Os grupos de mídia, principalmente os impressos: jornais e revistas, começaram a distribuir os encalhes de seus exemplares e a produzir versões direcionadas à sala de aula. Este movimento pela inserção do jornal e da revista na sala de aula, como prática pedagógica, ganhou força no início da década de 1990 e ainda hoje continua conquistando novos adeptos, como é o caso da revista Carta Capital, que lançou em outubro de 2005 sua versão pedagógica. Ao anunciar sua inserção no mundo da escola, essa versão da revista passa a disputar um importante espaço atuando diretamente no processo educativo na formação de professores e alunos sobre os acontecimentos da realidade

Aprender sobre o mundo editado pela mídia, a ler além das aparências, a compreender a polifonia presente nos enunciados da narrativa jornalística, não é tarefa fácil, mas desejável para uma leitura crítica da mídia. Discutir a responsabilidade social da imprensa, do jornalista, compreender as intrincadas relações de poder que estão por trás da composição dos veículos; capacitar professores e alunos para entender os sentidos, o significado implícito no discurso da imprensa não são tarefas fáceis. Exigem muito mais que a competência do fazer jornalístico e o entendimento claro de que a linguagem utilizada pela mídia encerra múltiplas interpretações, razão pela qual a leitura da mídia na escola não deve restringir-se à leitura de um veículo, mas à pluralidade dos meios. É necessário reconhecer, portanto, que a linguagem é, por natureza, ideológica.
Para aprender a ler a mídia, decodificar os sentidos explícitos e implícitos na estrutura narrativa da imprensa, a subjetividade na construção da notícia, ao contrário da propalada objetividade, relato da realidade, jornalistas e professores que utilizam e discutem o papel da mídia na escola precisam, inicialmente, desenvolver alguns saberes que passam pela percepção crítica das estratégias e dos padrões na linguagem jornalística, tais como ocultamento, fragmentação e inversão, que possibilitam a manipulação deliberada da informação.
Reconhecer esta realidade não significa, porém, abrir mão de utilizar a mídia como fonte motivadora porque conectada com a realidade vivida por alunos e professores. Trata-se, na verdade, de fornecer os elementos necessários a alunos e professores para fazerem a leitura crítica da mídia a partir da leitura do mundo, tarefa ímpar da escola, que tem ou deveria ter os instrumentos necessários para estabelecer a necessária relação e conexão entre os fragmentos dos fatos e sua historicidade.
A mídia nunca é, portanto, apenas um “testemunho da realidade”, como se ouve com freqüência. Expressões como a antiga “aconteceu, virou manchete” ou “o fato real em tempo real”, entre tantas outras, estão longe da realidade da mídia. Trazer um fato à boca de cena,escolhendo-o para divulgar, implica deslocar um problema do âmbito. Ao capacitar professores para a utilização da mídia na escola, é necessário compreender as armadilhas da linguagem com suas múltiplas potencialidades e limites; identificar as marcas discursivas pelos diferentes modos de dizer para uma leitura dialógica do mundo; examinar a escolha intencional ou não dos verbos introdutórios de opinião, da utilização dos operadores argumentativos e do dito e do não-dito; saber reconhecer que dizer não é sinônimo de afirmar, enfatizar ou garantir; compreender quando se utiliza ainda,  representa um campo autônomo do conhecimento que deve ser estudado e ensinado às  crianças da mesma forma que estudamos e ensinamos a literatura, por exemplo. A integração da mídia à escola tem necessariamente de ser realizada nestes dois níveis: enquanto objeto de estudo.
Os objetivos das empresas de comunicação, de acordo com os resultados da pesquisa são principalmente: incentivar a leitura de jornais; incentivar outras leituras; ensinar o aluno como é o jornal; promover o debate sobre o papel da imprensa; capacitar o aluno a ler criticamente o jornal; promover o respeito à opinião divergente; aproximar a escola das questões do cotidiano; facilitar uma aproximação entre os professores; tornar o currículo mais dinâmico; ajudar o aluno a se expressar melhor e com maior confiança em si; contribuir para que o aluno escreva melhor; facilitar a  criação do jornal escolar; contribuir para o aprendizado informal da língua; contribuir para que o aluno conheça melhor o mundo em que vive; contribuir para o exercício da cidadania e colaborar para a construção de um conhecimento mais amplo e multidisciplinar do aluno.
Toda linguagem é ideológica porque, ao refletir a realidade, ela necessariamente a refrata. Há sempre, queira-se ou não, uma transfiguração, uma obliquidade da linguagem em relação àquilo a  que ela se refere. Por usa própria natureza, de mediadora entre nós e o mundo, a linguagem apresenta sempre, inelutavelmente, um descompasso em relação à realidade.
O grande desafio reside, no entanto, na discussão pedagógica sobre a utilização dessas estruturas narrativas como modelos de texto a serem seguidos, em alternância aos textos literários, na maior parte desconectados da realidade, mas ricos em estilo e criatividade, que povoavam com mais freqüência, no passado, os livros didáticos. Entretanto, para ser usado na sala de aula, deve ser percebido, também, a partir de seus limites e não apenas de sua potencialidade.
Utilizar a mídia na escola é o primeiro passo para a leitura do mundo. Em contrapartida, é essencial que o exercício cotidiano no uso da mídia na sala de aula não se limite à leitura de jornais, revistas ou dos veículos eletrônicos. Para se ler o mundo a partir dos olhares dos outros, é fundamental que seus leitores aprendam antes a ler o mundo em que vivem, por meio da construção de suas próprias narrativas. Só assim será possível a construção do conhecimento, a transformação do educando em sujeito de sua própria história. A aquisição do pensamento crítico é resultado da inserção e percepção direta do aluno como agente mobilizador na sua realidade.E para isso, a escola não pode esquecer - se do ecossistema comunicativo no qual vivem os alunos. Ou seja, ou a escola colabora para democratizar o acesso permanente a esse ecossistema comunicativo ou continuara a operar no sentido da exclusão, tornando maiores os abismos existentes (Baccega, 2003,p. 81). Os percursos metodológicos entre as áreas de comunicação e educação vêm sendo trilhados há muito tempo, de forma paralela, sem que os especialistas desses campos do conhecimento consigam chegar a um denominador comum para a interface necessária no uso adequado da mídia na escola. Nas sociedades modernas, em que os meios de comunicação interferem diretamente na formação/deformação das pessoas,sejam elas crianças, jovens ou adultos, não há mais como negar a importância de pesquisas integradas entre esses dois campos de estudo para resultados mais eficazes nos procedimentos pedagógicos das escolas.

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